Disse Jesus: “O meu Reino não é deste mundo. Se fosse, os meus servos lutariam para impedir que os judeus me prendessem. Mas agora o meu Reino não é daqui”. “Então, você é rei!”, disse Pilatos. Jesus respondeu: “Tu dizes que sou rei. De fato, por esta razão nasci e para isto vim ao mundo: para testemunhar da verdade. Todos os que são da verdade me ouvem”. “Que é a verdade?”, perguntou Pilatos. – João 18: 36-38
Estamos aqui novamente aos pés da Cruz de Jesus. Este ano não é como os anos anteriores. Antes, precisávamos de um pouco mais de esforço para imaginar o abandono e a desesperança de Jesus na cruz. No ano passado, no início da pandemia, celebramos a Semana Santa sem pensar muito na nossa situação. Tudo era novo então. Nunca vivemos em uma época em que o mundo parou ao mesmo tempo. Foi interessante, misterioso, até mesmo fascinante. Porém, agora depois de tantas mortes, nos deparamos com uma realidade feia e grotesca onde a crueldade e a apatia dos seres humanos parecem não ter limites, como o que aconteceu na Cruz.
Jesus nasceu para sofrer. Ele morreu como a maioria dos seres humanos neste mundo; como a maioria dos que estão morrendo entubados em hospitais neste momento. Ele morreu indefeso e humilhado. Ele morreu de uma maneira feia porque a morte é feia.
Que decepção! Eles esperavam um salvador que fosse uma espécie de super-herói. Queriam que ele resolvesse todos os nossos problemas e colocasse em ordem o caos em que vivemos. É claro tudo de acordo com o que imaginamos a ordem. Eles, não são eles não, somos nós que criamos um messias de acordo com nossa vontade. No entanto, Deus exige sua independência. Ele queria ser humano, mais humano do que nós queremos ser.
“A condição humana é a paixão de Cristo”. – Clarice Lispector, A Paixão Segundo G.H.
Clarice Lispector, em uma de suas maiores obras, escreveu que a beleza é perfeita. Ela não precisa de nós. Ela é perfeita em si. Ela nos convida a valorizar sua beleza mas nunca faremos parte dela. Apenas somos espectadores. Ela não precisa de nossa participação. Ela têm sua própria identidade. Além disso, somos feios em comparação. Somos seres incompletos, sem identidade. Somos a matéria-primas prontos para ser transformados em algo bonito. Queremos a beleza, mas não queremos sofrer por ela. A beleza exige muito sofrimento. O sofrimento nos proporciona nossa identidade. Queremos contornar isso. Inventamos uma ilusão aonde atingimos a beleza sem pagar o preço de sofrimento. Odiamos qualquer um que tente desfazê-la. Infelizmente, o Cristo queria ser mais humano do que nós. Ele viveu como muitas pessoas que não podem se dar ao luxo de criar sua ilusão de beleza. Vivemos um momento aonde não podemos mais fingir que as coisas são boas. Estamos isolados, esquecidos, e abandonados como muitos viviam antes da Pandemia. Agora, percebemos nossa realidade. Ela é a paixão de Cristo.
Jesus nos disse que nasceu para revelar a verdade. Para que serve a verdade, então? Absolutamente nada para pessoas que fazem esse tipo de pergunta. A verdade não lhes daria nada de valor. Portanto, vemos que muitos preferem a mentira. Eles podem fazer muito mais com ela até mesmo alcançar muito sucesso. No entanto, jamais diríamos que eles alcançaram algo belo com isso. Eles acabam levando uma vida inferior à humana, mas não como um animal. Pelo menos, eles vivam sua verdadeira natureza.
Infelizmente, Jesus nunca respondeu a Pilatos: “Qual é a verdade?” Queremos uma resposta pronta e fácil de entender. Procuramos em muitos lugares e sempre acabamos decepcionados. Alguns decidiram continuar a viver sem ela. Outros pensam que são os donos da verdade. Há alguns que não podem negar a persistência na suas almas de que há algo maior e mais profundo nesta vida, ou seja, o que dá sentido à vida. Pilatos talvez fosse essa categoria de pessoas. Mesmo assim, Jesus não respondeu. Não era necessário. Ele é a verdade mas como Pilatos podia aceitar isso? O homem que perdeu tudo na cruz era a verdade que a humanidade queria conhecer. Esta verdade poderia desmoronar o mundo que ele conhecia.
Parece que nosso mundo está desmoronando. A verdade está desconstruindo nossas mentiras. Tudo o que vemos agora é o caos. Portanto, precisamos de muita coragem para caminhar entre os escombros de nossas mentiras e enfrentar a verdade. Muitos querem resgatar dos escombros e reconstruir novas mentiras. No entanto, a reforma não é suficiente. Precisamos de algo novo. Precisamos da verdade em nossas vidas, mas Jesus ainda não nos respondeu. “Qual é a verdade?” A resposta não pode ser dada em palavras. Ela é um encontro. Algo que acontece em nosso âmago. Certamente não é algo emocional ou racional. É tudo de que precisamos saber que nossa vida terá a forma e a beleza que tanto desejamos, apesar de nosso sofrimento
Ao pé da cruz estava um soldado que conheceu todos os tipos de violência neste mundo. Ele lutou com homens que o mundo considerava grandes e poderosos. Ao pé da cruz, ele descobriu a verdade que havia procurado por tanto tempo. Ele sentiu algo inexplicável em sua alma. Ele confessou: “Ele realmente era um Filho de Deus.” O amor tomou conta do coração desse homem e abriu seus olhos para ver a Verdade. Talvez seja bom lembrar que sem amor não podemos descobrir a verdade. Provavelmente, o amor nos dará a força para descobrir a verdade neste tempo da cruz.